A vaidade e a pós-verdade, por João Antonio da Silva Filho

A vaidade e a pós-verdade, por João Antonio da Silva Filho

Por João Antonio da Silva Filho

Vivemos na era da pós-verdade, um fenômeno que redefine a maneira como as pessoas se relacionam com a informação, com a realidade e, sobretudo, com a própria verdade. Decidi abordar esse tema sob uma perspectiva específica, porém pouco explorada: a vaidade. Naturalmente, esse não é o único ponto de vista possível, mas é, sem dúvida, um dos mais reveladores quando olhamos para o funcionamento das redes sociais e seus efeitos sobre a sociedade contemporânea.

Basta percorrer qualquer rede social para perceber o quanto o desejo de aparecer - de ser visto, curtido, seguido e aplaudido - se sobrepõe, muitas vezes, à preocupação com a verdade, a ética ou a responsabilidade. Nessa lógica, vale quase tudo: conteúdos vazios, distorcidos, apelativos, sensacionalistas e, não raramente, mentiras descaradas - as chamadas fake news. Tudo em nome de um reconhecimento instantâneo, ainda que superficial e efêmero.

Mas, afinal, o que é a pós-verdade? Trata-se de um conceito que descreve uma realidade na qual fatos objetivos perdem relevância frente aos apelos emocionais e às crenças pessoais. A verdade dos fatos torna-se secundária, dando lugar a narrativas que são aceitas e replicadas não por serem verdadeiras, mas por confirmarem aquilo que as pessoas desejam acreditar. Em suma, a verdade passa a ser aquilo que convém, não aquilo que corresponde aos fatos.

Esse fenômeno não surge do acaso nem se sustenta sozinho. Ele se alimenta de uma engrenagem poderosa: a aliança entre o sensacionalismo das redes sociais e os interesses econômicos das grandes plataformas digitais - as chamadas Big Techs. Essas empresas lucram com o engajamento, não importa se o conteúdo é verdadeiro ou falso. Quanto mais visualizações, comentários e compartilhamentos, maiores os ganhos financeiros. E, nessa dinâmica, a vaidade humana torna-se peça central: a busca desenfreada por visibilidade é justamente o que alimenta os algoritmos e os modelos de negócios dessas plataformas.

CONCLUSÃO


O fenômeno da pós-verdade, portanto, não pode ser compreendido sem levar em conta essa combinação explosiva entre vaidade, desinformação e interesses econômicos. As redes sociais se transformaram em vitrines da autoexposição, onde a necessidade de aparecer muitas vezes fala mais alto que o compromisso com a verdade.

Diante desse cenário, cabe uma reflexão urgente: até que ponto estamos dispostos a sacrificar a verdade em nome da vaidade? É possível construir uma sociedade informada, ética e crítica se continuarmos reféns de narrativas moldadas mais pelos desejos pessoais e pela busca de aprovação do que pelos fatos?

Resgatar o valor da verdade, hoje, é mais do que um exercício de honestidade intelectual - é um ato de resistência. Resistir à sedução da mentira fácil, do sensacionalismo barato e da vaidade desmedida é, talvez, um dos maiores desafios éticos do nosso tempo.



João Antonio da Silva Filho é mestre em Filosofia do Direito e doutor em Direito Público, com experiência em gestão pública e controle externo. Atualmente, é conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e vice-presidente da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil). Ao longo de sua trajetória, atuou como vereador na cidade de São Paulo, deputado estadual e secretário de Articulação Política na gestão do prefeito Fernando Haddad. Autor de diversas obras, sua publicação mais recente é Estado, Democracia e Controle Externo das Contratações Públicas

https://joaoantonio837.wordpress.com/2025/06/02/a-vaidade-e-a-pos-verdade/