Cantora, que se apresenta no Rio neste sábado, diz que nunca teve medo de gravar autores considerados bregas, defende a canção 'Então é Natal' e exalta Milton Nascimento
Por Luiz Fernando Vianna Especial para O GLOBO - Rio de Janeiro
Simone diz que nunca comeu um hambúrguer. Isso deve ajudar a explicar por que ela, aos 75 anos, está em ótima forma física. Conta que cuida de corpo, mente e espírito: fisioterapia, análise e intensidade no que faz.
- Sou muito dinâmica, plugada em 220 volts - avisa. - Aos 75 anos, não tenho a estrutura que eu tinha aos 50. Mas sou uma jovem senhora inteirinha. Garanto que faço coisas que muita mulher de 40 não faz.
Aos 52 anos de carreira, ela continua buscando novidades. No sábado, 26 de abril, faz seu primeiro show próprio no Circo Voador, lendária casa na Lapa, região central do Rio, onde até hoje só tinha participado de apresentações alheias. Não sabe responder por que essa estreia demorou tanto, mas afirma que está realizando um desejo antigo.
- Há lugares que são únicos. O Circo é um deles. Tem uma marca, imprime uma coisa boa, com muita gente jovem de espírito, que topa ficar em pé assistindo ao show e participa muito - exalta a cantora.
De João Bosco a José Augusto
O show "Simone", que iniciou a turnê em março em São Paulo, é um desdobramento de "Tô voltando", o espetáculo anterior, retorno da cantora aos palcos depois da pandemia. Dez músicas saíram do repertório, dez entraram, entre elas "Coisa feita" (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio), "Começaria tudo outra vez" (Gonzaguinha) e "Gente aberta" (Roberto e Erasmo Carlos). Permaneceram sucessos como "O que será (À flor da terra)" (Chico Buarque), "Começar de novo" (Ivan Lins e Vítor Martins) e "Jura secreta" (Sueli Costa e Abel Silva).
Todas são de nomes consagrados da MPB. A partir dos anos 1980, muita gente, a começar pelos críticos, torceu o nariz para a inclusão em seus discos de compositores tidos como bregas, como José Augusto - "Separação", dele e de Paulo Sérgio Valle, está no show. Ela conta que sua família ouvia de óperas ao popularíssimo Orlando Dias, e que isso formou seu gosto ecumênico.
- Teve uma época em que diziam: "Ah, não pode gravar José Augusto." Por que não pode? "Não pode gravar Amado Batista." Por que é popular? Eu tenho horror a julgar as pessoas - afirma. - É que nem amor. Às vezes você se apaixona por uma pessoa que todo mundo diz: "Não serve." Mas, se você não for, não vai saber. Tem coisas na minha vida de que eu me arrependo, e não estou falando só de música. Mas, se não fosse ver, eu ficaria no sinal amarelo. Não tem nada pior do que o sinal amarelo. Ou você para ou avança. Ou você assume ou não assume. Se a pessoa não gosta do que eu gravei, que não ouça. É simples.

Simone: cantora faz aos 75 anos seu primeiro show no Circo Voador, no Rio de Janeiro - Foto: Leo Aversa
- Há mais 11 músicas nesse trabalho, mas essa música bateu num lugar para milhões de brasileiros que você tem que respeitar - ressalta. - Acho o trabalho maravilhoso. Só tenho a agradecer. Eu queria me dar de presente (ela faz aniversário em 25 de dezembro) um disco com canções natalinas. E ficou para sempre.
Uma novidade de "Simone" é a entrada na banda da cantora, violonista e cavaquinista Ana Costa, figura conhecida do samba carioca. Ela é muito amiga de Zélia Duncan, artista que fez um disco com Simone, já a dirigiu em show e participou da gravação ao vivo de "Tô voltando", lançada neste ano.
- Em todos os trabalhos que eu faço, gosto de ter Zélia por perto. É como se fosse um porto seguro. Tudo o que ela me traz é legal - diz.
'Eu amo você', disse para Milton Nascimento
No espetáculo há quatro músicas ligadas a seu grande amigo Milton Nascimento: "Para Lennon & McCartney", "Tudo que você podia ser" (ambas não compostas por ele), "Nada será como antes" e "Encontros e despedidas". Milton também é o autor (com Ronaldo Bastos) de "Cigarra", título que virou o apelido da cantora.
- Bituca é fundamental na minha vida. Fiquei alucinada no dia em que o ouvi cantar pela primeira vez, no Teatro Gazeta, em São Paulo - recorda ela, que foi apresentada ao cantor pelo produtor e compositor Hermínio Bello de Carvalho. - Eu peguei as mãos dele e disse: "Eu amo você." Ele falou: "Eu também (te amo)." Ele é um fora da curva. Como dizia a Elis, se Deus cantasse, teria a voz de Milton Nascimento.
Hermínio é outra figura decisiva em sua trajetória, na qual está presente desde o início, em 1973, quando a levou para uma turnê na Europa e nos EUA. Para o álbum que celebrará os 90 anos de Hermínio, completados em março, ela, autora de raras composições, gravará uma parceria dos dois.
- Ainda bem que temos a consciência do que nós somos um para o outro. Não é em matéria de importância para a carreira, mas de afetividade, confiança. Apesar de a música ter nos juntado, passou a ser uma coisa visceral - afirma.
A apresentação deste sábado será aberta pelas cantoras Julia Vargas e Natascha Falcão com o show "LeeGal", em que homenageiam Rita Lee e Gal Costa.
O Globo
https://oglobo.globo.com/cultura/coluna/2025/04/simone-estreia-no-circo-voador-plugada-em-220-volts-faco-coisas-que-muita-mulher-de-40-nao-faz.ghtml