Após conversa de Motta com Lula, anistia aos golpistas subiu no telhado, por Luiz Carlos Azedo

Após conversa de Motta com Lula, anistia aos golpistas subiu no telhado, por Luiz Carlos Azedo

Desde quando alcançou apoio de 262 deputados para requerer a urgência da anistia, o líder do PL, Sóstenes Cavalcanti (RJ), está de salto alto e confronta o presidente da Câmara

O presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), costuma dizer que não conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para não ser seduzido pelo petista. Líder de um dos mais antigos e maiores partidos do país, sucessor do antigo PDS (ex-Arena), Nogueira é um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e considera Lula uma espécie de "encantador de serpentes", um ícone da cultura oriental, sobretudo na Índia.

Nesta quinta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que o projeto de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro não terá sua urgência pautada na próxima semana. A decisão foi pactuada com Lula, na noite de quarta-feira, durante jantar na residência oficial do presidente da Câmara, com a participação de outros líderes da Casa.
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É preciso destrinchar o acordo entre Lula e Motta como quem analisa o truque do "encantador de serpentes", um artista de rua que atrai a atenção dos transeuntes em busca de uns trocados. Na verdade, trata-se de um ilusionista: em vez de domar a serpente ao som de sua flauta, ele "hipnotiza" as pessoas. O som da flauta atrai a atenção do seu público, mas seu segredo é o movimento que ele faz com o instrumento musical e a natureza da serpente, geralmente uma naja, colocada num cesto ventilado.

A serpente pode ver e sentir um pouco o ambiente. Quando o cesto é aberto, se ergue naturalmente, como um gesto de defesa ou curiosidade. O encantador movimenta a flauta para criar a ilusão de que faz a naja "dançar". Por não ter pálpebras, a serpente parece hipnotizada. Na verdade, o "encantamento" é uma exibição do comportamento natural da serpente, não uma domesticação real.

A decisão de Motta, ao escantear a votação da anistia, decorreu, sim, da forte aproximação que Lula faz com os novos líderes do Congresso, sobretudo com Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que o acompanham em mais uma viagem, desta vez para o funeral do papa Francisco. Mas as pesquisas mostram que a maioria da população apoia a punição dos invasores do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo, cujas imagens estão sendo revisitadas em razão do julgamento dos acusados de organizar a tentativa de golpe, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Outra razão é a própria relação do presidente da Câmara, o segundo na linha de sucessão da Presidência, com o Supremo Tribunal Federal (STF). Motta dispõe de uma excelente assessoria jurídica na Câmara, sabe que o Congresso não é uma instância revisora de decisões do Supremo. Embora exista uma maioria no Parlamento a favor de uma revisão da dosimetria das penas dos acusados de atentar contra o Estado Democrático de Direito, de acordo com a gravidade dos seus atos, o que o Supremo vem fazendo é aplicar a lei vigente. Para mudar o Código Penal, é preciso balancear o teor da mudança, e não afrontar e desmoralizar o Supremo, como deseja a oposição.

Agenda popular


Música para os ouvidos do Congresso. No encontro na casa de Motta, Lula enfatizou que as prioridades do governo são a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a PEC da Segurança. São duas agendas que vão ao encontro dos eleitores da maioria dos deputados, inclusive daqueles que desejam a anistia. Fica muito difícil para a oposição ter sucesso na obstrução dessas duas pautas, como quer o líder do PL, Sóstenes Cavalcanti (RJ).

O debate sobre a anistia não vai morrer por causa disso, uma vez que o ex-presidente Jair Bolsonaro, que se recupera de uma cirurgia muito complexa, é um dos que estão sendo julgados pelo Supremo e pode ser condenado. Entretanto, o eixo das negociações entre os líderes da Câmara já se deslocou da anistia para uma nova dosimetria das penas.

Mesmo assim, o líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), e Sóstenes anunciaram que vão retomar o movimento de obstrução para travar a pauta de votações da Casa. Entre os 262 deputados que assinaram o pedido de urgência, porém, muitos estão dispostos a rever suas posições ou já declaram que pretendem votar contra anistia.

Sóstenes está em rota de colisão com Motta: "Espero que, na reunião da semana que vem, a gente possa corrigir um erro grosseiro que foi cometido hoje (nesta quinta-feira)", afirmou. Disse que a obstrução terá duas exceções: o processo que pode levar à cassação do deputado Glauber Braga (PSol-RJ), cuja apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça, nesta quinta-feira, foi suspensa; e o caso relacionado ao deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).

No caso de Glauber, a oposição quer que o processo avance e o deputado tenha o mandato cassado pelo plenário da Câmara. No de Ramagem, quer votar uma proposta que tranca a ação penal relacionada ao parlamentar no STF, por envolvimento na trama golpista de 2022. Desde quando alcançou o número regimental para requerer a urgência, o líder do PL está de salto alto e confronta o presidente da Câmara.

O resultado é que, agora, Motta terá de se impor para não perder a autoridade com os demais líderes. Enquanto isso, o julgamento de Bolsonaro e 13 aliados prossegue na Primeira Turma do STF, que aceitou as denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) por crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e dano ao patrimônio.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/apos-conversa-de-motta-com-lula-anistia-aos-golpistas-subiu-no-telhado/