A histeria que se vê em reportagens ou em declarações de empresários e políticos dá a entender que as apostas são uma coisa nova no Brasil e que não havia jogo por aqui antes de 2018
Cyro Fiuza
Nas últimas semanas tem me impressionado, e a muita gente em todo o país, como o assunto "Bets" tomou conta do noticiário nacional. É como se o jogo nunca tivesse ocorrido no Brasil: começou apenas em 2018, autorizado pelo governo Temer; e foi legalizado no governo Lula, entre 2023/24.
Antes de 2018, portanto, não havia jogo no país. Aquele já legalizado, como loterias federais, estaduais e corridas de cavalo. E o ilegal, como bicho, carteado, bingo e cassinos clandestinos. Estes, patrocinados pelo crime e pela contravenção, que ficavam e ainda ficam, em boa medida, com a fatia maior do dinheiro arrecadado.
Agora que se pretende colocar alguma ordem no setor, surgem manifestações de todos os lados - ainda que tardias - contra a legalização que criará uma indústria de entretenimento e empregos e trará arrecadação de impostos estimada em no mínimo R$ 12 bilhões só no primeiro ano de vigência da lei.
A quem interessa colocar areia nesse processo legal, votado e aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Executivo? Aqui a resposta é longa, mas não tão difícil de ser dada. A começar da bancada evangélica, comandada pelo bispo Silas Malafaia.
Principal mentor da "bancada da bíblia" e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Malafaia fez um forte movimento para que a lei não passasse em suas últimas votações na Câmara e no Senado. Mas as cartas desse jogo já estavam dadas. Congressistas do governo e mesmo muitos bolsonaristas - portanto esquerda e direita -, estavam de acordo com a legalização. Não havia mais motivos nem empecilhos para barrar uma lei que geraria tributos para a União, que os redistribuiria para áreas como saúde, educação e esporte, por exemplo.
Houve ainda uma movimentação de setores como dos bancos - aquelas instituições que cobram até 400% de juros por ano de seus devedores - e também de entidades ligadas ao varejo, querendo apontar as Bets como vilãs para uma alegada redução de dinheiro no mercado destinado às compras, algo aleatório demais para se comprovar tão facilmente.
A imprensa em geral foi outra que caiu em cima da legalização, mostrando um despreparo que beira a ingenuidade ou má-vontade com o assunto. Eu já havia cantado a bola para o editor Marcos Rizzon, do Jornal do Turfe. Com o jogo banido por décadas, exceto as loterias federais e as corridas de cavalo, jornalistas despreparados logo incorporaram mais esse "americanismo" de chamar de Odds aquilo que conhecemos há décadas no turfe como Rateios ou seus Eventuais. Então por que inventar? Talvez tenha sido mais um termo imposto pelos chamados executivos "Faria Limers". Jorginho do Beach não faria melhor...
A melhor parte, porém, ainda estava por vir. Foi o anúncio de que beneficiários do Bolsa-Família estariam direcionando seus proventos para as apostas. Cinco milhões deles, que jogaram cerca de R$ 3 bilhões somente no mês de agosto, o que daria uma média de R$ 600,00/mês por pessoa.
Uma conta rápida, levantada pela indústria das apostas e apresentada pelo Jornal da Band, com base em dados do Banco Central, comparou e mostrou que se cada beneficiário recebe R$ 680,00/mês e joga R$ 600,00, ficaria caracterizada a existência de uma outra fonte de renda desse parcela que recebe a bolsa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que crie um mecanismo para impedir o uso do benefício para o jogo, o que é uma preocupação justa do governo. A equipe econômica poderia, porém, solicitar também um pente-fino ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, pois acabaram pairando sérias dúvidas sobre a real necessidade de uma parcela considerável de beneficiários (um em cada quatro) em efetivamente receber a ajuda.
Feitos tais ajustes e regulamentada totalmente a atividade a partir de janeiro de 2025, o segmento de apostas legais sairá fortalecido, assim como o governo, beneficiários que realmente precisam do Bolsa-Família e toda a sociedade brasileira.