Os mais desavisados reclamam e assobiam enquanto a tela permanece silente. Mas quando o silencio é invadido por sussurros, gemidos, vozes abafadas e tiros, os espectadores se dão conta de que é proposital esse começo.
Aliás, o diretor Jonathan Glaser vai voltar a utilizar a tela colorida, ora branca, vermelha ou preta com sons soturnos para fazer a plateia pensar onde estamos.
A família de Rudolf Hoss (Christian Friedel) mora na casa que vemos. Há um belo jardim. Ele é um oficial nazista, comandante do campo de concentração de Auschwitz.
Há um muro alto mas que não esconde as chaminés da construção ao lado, que soltam uma fumaça negra inquietante.
A mãe da família (Sandra Huller), na cozinha, escolhe roupas que trouxeram para ela. Deixa as de criança para as empregadas. E desfila, para si mesma, um casaco de pele, no espelho do quarto do casal.
O horror com aquelas cenas começa a se configurar.
E quando a mãe de família recebe a mãe dela e mostra com orgulho sua casa, ouve:
"- Você venceu, filha! Olha aonde você chegou!"
Mas a admiração dura pouco e no dia seguinte a avó deixa a casa. Um bilhete dela é queimado por uma filha indignada.
Parece que os mais sensíveis querem mesmo se afastar daquela casa. Não só a avó ficou chocada com o que ouviu durante a noite. A menina maiorzinha é encontrada pelo pai vagando à noite pela casa. Desassossegada.
O pai tenta criar um clima mais tranquilo e lê para os filhos, antes de dormir, a história de João e Maria que se livram da bruxa empurrando a maldosa para o fogo do fogão. Tenta usar essa metáfora para esclarecer que o mal existe e merece o fogo como castigo. Mas as crianças não sabem o que acontece ali ao lado.
Não há cenas de horror explícito no filme de Glazer. O impensável que acontece ao lado é negado. Porém essa ausência assusta mais, já que a fumaça negra e cinzas denunciam o que se quer esconder.
A ambição vence a humanidade dos membros daquela família. Mesmo quando o marido é transferido, a mãe não quer deixar aquela casa. Apega-se ao luxo com que sempre sonhou e não se importa em pensar nos crimes cometidos para que ela realize seus sonhos de poder.
O diretor nos diz sobre seu filme:
"... trata da nossa capacidade de cometer violência. E nossa indiferença, cumplicidade, aos horrores do mundo, para proteger nossa segurança, nossos luxos."
E a cena final, filmada no atual Museu de Auschwitz, mostra as vitrines com o que restou daqueles que morreram ali. A visão mórbida e comovente faz com que se pense: como isso foi possível? O Holocausto mostra o que de pior existe em todos nós.
O filme foi premiado em Cannes e está indicado na lista dos cinco melhores filmes internacionais do Oscar.
(O trailer está no meu blog: www.eleonorarosset.com.br)