O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o dono da rede X, o bilionário Elon Musk | Imagem: Brenno Carvalho/O Globo e Sergei Gapon/AFP
STF deve agir com a régua de Musk?, por Vera Magalhães

STF deve agir com a régua de Musk?, por Vera Magalhães

Ministros temem que confronto de Moraes com dono do X, que demonstra não ter nada a temer, provoque perda de credibilidade internacional do Supremo


Por Vera Magalhães

Como a Justiça pode e deve lidar com um bilionário dono de uma plataforma de mídia que se recusa a cumprir a lei e as decisões judiciais e resolve enfrentar as autoridades de um país como forma de influenciar politicamente o debate público e sabotar a democracia?

As leis brasileiras relativas às redes sociais e os ritos do Judiciário, se seguidos à risca e dentro de suas limitações, têm se mostrado insuficientes para lidar com Elon Musk, que personifica a descrição acima. Como driblar o impasse, provocado pelo magnata com o claro intuito de desmoralizar as instituições do Brasil e de incendiar a extrema direita, que tem sido investigada pelo ministro Alexandre de Moraes pelas investidas contra a democracia em diferentes inquéritos?

As análises jurídicas embasadas apenas na jurisprudência existente não parecem dar conta das nuances do embate entre Musk e STF, com Moraes à frente. As últimas decisões anunciadas pelo ministro são no mínimo inusitadas. Citação judicial a Musk pelo próprio X e bloqueio de contas de outra empresa ligada a ele, a Starlink, diante da retirada dos responsáveis legais pelo X do Brasil, são considerados ilegais por especialistas insuspeitos de ter algum tipo de simpatia pelos expedientes de Musk.

É fato que Moraes está lastreado pela maioria do Supremo, que pode até se transformar em unanimidade diante do passa-moleque que claramente o fanfarrão sul-africano tenta aplicar não apenas no ministro, mas em todo o Judiciário brasileiro.

Mas a atitude belicosa de Moraes e o recurso a esses métodos cada vez mais heterodoxos para fazer valer sua autoridade assustam seus pares. Eles temem que a escalada desse confronto provoque perda de credibilidade internacional da mais alta Corte do Brasil diante de suas congêneres mundo afora.

O fato de Musk responder com memes à ameaça de retirada do X do ar mostra que estará sempre disposto a dobrar a aposta, com base na crença de que é inatingível pela lei de um país que claramente demonstra desprezar.

Outro risco tremendo para Moraes e para o STF é a ameaça de "prendo e arrebento" cair no vazio, ou ser inócua, o que daria razão à chacota promovida pelo dono da plataforma transformada em arma de destruição democrática - para a qual, diga-se, as autoridades brasileiras indignadas continuam produzindo conteúdo e engajamento (e, portanto, dinheiro para Musk).

Ministros já se mostram alarmados com a disposição do colega para o embate em várias frentes, sem dar sinais de que pretenda começar a depor as armas e sair dos holofotes. Havia a impressão de que o vazamento de mensagens entre auxiliares de Moraes no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pudesse surtir o efeito de começar a conduzir os inquéritos que ele preside - notadamente o das fake news, que já vai para mais de cinco anos - ao desaguadouro. Mas quem sonda o relator a respeito dessa pressão amistosa para que saia de cena ouve que não existe nada disso e que cabe só a ele decidir quando os feitos se encerrarão.

Existe um mal-estar crescente de setores da classe política, que influencia parcela não pequena da sociedade, com as ações do STF, em diversas frentes. Mais uma vez as forças bolsonaristas tomarão de assalto o 7 de Setembro para propagar a visão de que o Supremo suprime as liberdades e exorbita suas atribuições.

Certamente a batalha campal com Musk será usada como exemplo para tentar transformar Moraes e seus pares em vilões de uma cruzada contra as liberdades, quando se sabe que, exageros à parte, foi a ação do Supremo e do TSE que impediu o êxito do golpismo de Jair Bolsonaro e seus liderados.

Justamente por esse feito histórico incontestável, o Judiciário precisa ter sobriedade ao decidir os passos seguintes num terreno desconhecido, em que as leis tradicionais parecem ter menos força coerciva. Mas jogar segundo os parâmetros de Musk, atropelando limites, também não é caminho sensato nem seguro.

O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/vera-magalhaes/coluna/2024/08/stf-deve-agir-com-a-regua-de-musk.ghtml