Imagem: Guilherme Boulos, candidato à prefeitura de São Paulo
'Jogo Político': de Boulos a Tarcísio, como a esquerda vai parar a mentira de que seus candidatos cheiram cocaína?

'Jogo Político': de Boulos a Tarcísio, como a esquerda vai parar a mentira de que seus candidatos cheiram cocaína?

Newsletter semanal do jornalista Thiago Prado também trata da entrevista de fotógrafo de capas da Playboy e traz sugestão de livro sobre a dor de pais que vivenciam a morte do próprio filho

Por Thiago Prado na newsletter Jogo Político

Bom dia, boa tarde, boa noite, a depender da hora em que você abriu esse e-mail. Sou o editor de Política e Brasil do GLOBO e vamos nessa na newsletter de análises, bastidores e conteúdos relevantes do noticiário político no Brasil.

"O mundo mudou, a sociedade mudou", disse José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo ontem, para defender que é preciso "um salto no jornalismo da televisão" para enfrentar os desafios dos novos tempos. "A TV tem que botar o pé no acelerador e fazer andar mais rápido tudo que ela faz", afirmou, às vésperas de lançar seu novo livro, "O Lado B de Boni".

Começo a nossa conversa de hoje com referências a um dos mestres da nossa história da televisão três dias depois da morte da lenda Silvio Santos, um gênio da comunicação como definiu Patrícia Kogut em texto publicado domingo. "Botar o pé no acelerador", como bem sugeriu Boni, é tudo o que a esquerda precisa para não colar a grande mentira espalhada na internet no início desta campanha eleitoral: que seus candidatos a prefeito nas duas principais capitais cheiram cocaína.

No Rio, Rodrigo Amorim (União Brasil), aquele que quebrou a placa da vereadora Marielle Franco e hoje é candidato a prefeito, desafiou Tarcísio Motta, do PSOL, a fazer exame toxicológico, no debate da Band. Com seu estilo de professor simpático e sorridente, o psolista deixou um bloco inteiro do programa correr solto sem rebater o absurdo.

Em São Paulo, Guilherme Boulos, também do PSOL, enfrentou uma artilharia ainda mais pesada em dois debates. Ouviu expressões agressivas como "aspirador de pó" e "comedor de açúcar" de Pablo Marçal (PRTB). Não dá para dizer que agiu igual a Tarcísio no Rio. Chamou de "psicopata" a "mau caráter" o adversário. Mesmo assim, de uma semana para cá, as pesquisas da equipe do prefeito Ricardo Nunes (MDB) mostram crescimento de Marçal nas intenções de votos e a proliferação da fake news sobre as drogas na internet.

O ponto é

Adiantaram as reações de Tarcísio (ignorando) e Boulos (atacando) diante de adversários que só estão preocupados em garantir cortes para a internet de momentos constrangedores na TV?

Procurei Marcelo Freixo e Fernando Gabeira para fazê-los pensar em como a esquerda pode reagir às mentiras dos adversários na campanha.

"É preciso ir à Justiça exigir o ônus da prova de quem acusa. Porque hoje estão inventando que usam drogas e amanhã vão insinuar o que? Que cometem pedofilia?", diz Gabeira, que ontem publicou artigo no GLOBO analisando os novos tempos dos debates na TV. "O discurso político foi substituído por memes", escreveu, entre outras ótimas reflexões.


Boulos aderiu ao receituário de Gabeira. Ontem mesmo, conseguiu na Justiça três direitos de resposta contra Marçal e sua mentira envolvendo o uso de cocaína. Junto a Nunes e Datena, também cancelou sua presença no debate promovido pela revista Veja, dando a entender que adotará a estratégia mais vezes. É suficiente?

"É a Tiktokização do debate, a morte da política. Boulos se preparou para falar da cidade e não para lidar com esse tipo de criminoso. É uma situação muito nova que estamos vivendo e não temos material para estudar como outras campanhas no passado lidaram. Ignorar os ataques não é o certo. Tem que responder, mas, por outro lado, não pode entrar na onda de aceitar fazer o exame toxicológico", diz Freixo, que admite uma virtude de Pablo Marçal. "Ele é engraçado e a política é chata", conclui.

Para quem ainda não entendeu que a maneira convencional de enfrentar campanhas da era moderna com media trainings repleto de clichês e equipes jurídicas caríssimas, sugiro assistirem às quase duas horas e meia de Pablo Marçal no programa "Fritada", no YouTube, gravado em abril.

Nele, cinco comediantes tentam humilhar o candidato do PRTB atacando todos os seus supostos pontos fracos de uma maneira que dificilmente Nunes, Boulos, Tabata e Datena conseguirão chegar perto. Mesmo assim, Marçal encerra o show de stand up comedy dando a impressão que venceu o duelo de acidez e irreverência contra os humoristas.

"Eu acho que o trabalho que o Boulos tem que fazer é não dar importância para um cidadão daquele tipo. Não tem nem que fazer pergunta para ele, nem responder. Deixa ele falar o que ele quiser", disse Lula sobre Marçal a uma rádio curitibana na semana passada. Gabeira e Freixo discordam do presidente. Eu também.


O fotógrafo Bob Wolfenson

Os tempos são outros... Na política, na TV e nos costumes... E há notícias boas e ruins nessa realidade!


Estamos em uma edição enfatizando a mudança dos tempos de maneira negativa (a despedida de um gênio da TV e a queda da qualidade do debate público), mas é claro que há muito a celebrar sobre o avanço da sociedade em outros campos.

A capa da revista Veja SP desta semana, com outro mestre dos nossos tempos, o fotógrafo Bob Wolfenson, faz pensar sobre o mundo em que vivemos. Prestes a completar 70 anos e com um acervo de 350 mil registros analógicos e 700 mil digitais, o fotógrafo é bem duro no julgamento de si próprio sobre os retratos de mulheres nuas que produziu para a revista Playboy a partir dos anos 80.

"No começo, eu cumpria a cartilha, duas fotos de bunda, três de peito... acho bem ruim esse trabalho, se vejo hoje me dá vergonha. Atualmente, não teria sentido existir uma revista como essa. Na época, eu não percebia que estava a serviço de uma coisa machista", disse.

Há duas semanas, no podcast Mamilos Café, o jornalista Juca Kfouri fez a mesma espécie de mea culpa sobre a sua passagem por Playboy, que dirigiu nos anos 90. "Para a minha filha foi uma péssima notícia. Ela não achou nem um pouco engraçado o pai trabalhar numa revista de mulher pelada. Hoje, jamais aceitaria trabalhar numa revista profundamente machista, que explorava o corpo da mulher."

"Botar o pé no acelerador", como disse Boni, é o que precisamos para seguir avançando.

O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/08/20/jogo-politico-de-boulos-a-tarcisio-como-a-esquerda-vai-parar-a-mentira-de-que-seus-candidatos-cheiram-cocaina.ghtml