- Presidente teve imagem arranhada após áudios com suposta corrupção envolvendo sua irmã, Karina.
- Governador Axel Kicillof buscava ganhar interna e se posicionar para disputar a Presidência em 2027.
Douglas Gavras
Javier Milei havia prometido colocar o "último prego no caixão do peronismo" antes das eleições da província da Buenos Aires, que ocorreram neste domingo (7). Quando foram divulgados os resultados preliminares da votação, não poderiam ser mais distintos para o presidente.
Com mais de 95% dos votos apurados, a coalizão peronista Força Pátria, sob comando do governador Axel Kicillof, obteve 47,2%, enquanto o partido de Milei, A Liberdade Avança, teve 33,8% do total dos votos. Os números foram divulgados pelo ministro de Governo, Carlos Bianco.
Na província que concentra 40% dos eleitores argentinos, o governo Milei esperava no mínimo um empate técnico ou que a diferença em relação aos peronistas fosse de cinco pontos percentuais. O peronismo ganhou em 6 dos 8 distritos da província.
Mais de 60% dos eleitores registrados foram votar neste domingo. A província é dividida em oito distritos eleitorais, sendo os mais populosos o terceiro (onde o peronismo é mais forte) e o primeiro (que estava sob uma disputa acirrada). Milei mostrava mais força no interior da província.
Quando Milei decidiu nacionalizar a disputa eleitoral na província de Buenos Aires, que em outros momentos estaria abaixo do radar dos argentinos, o cenário político era bem mais favorável ao presidente há alguns meses. Os mileístas haviam emplacado o primeiro colocado nas eleições legislativas da cidade de Buenos Aires, em maio.
Com a inflação sob controle e o peronismo combalido após a prisão domiciliar da ex-presidente Cristina Kirchner, após engolir o PRO (que competiu sob o nome do grupo de Milei, A Liberdade Avança), o presidente chegou a dizer que o pleito seria a oportunidade de "esmagar o kirchnerismo" em seu bastião.
Tudo mudou nas últimas semanas, quando estourou o escândalo dos áudios atribuídos ao ex-funcionário do governo Diego Spagnuolo, contando uma suposta rede de corrupção na compra de medicamentos para pessoas com deficiência que beneficiaria com propinas de 3% o braço direito e irmã de Milei, Karina.
O escândalo dos áudios também veio à tona quando a economia dava sinais mais claros de estagnação, com a atividade travando, alta de juros e o governo intervindo abertamente no câmbio, por meio do Tesouro.
A popularidade de Milei caiu para mínimos históricos de 39%, de acordo com uma medição da empresa de pesquisas Trespuntocero, e 9 de cada 10 argentinos dizem ter conhecimento do caso, que a imprensa batizou de "karinagate".
Karina Milei foi votar na manhã deste domingo em um colégio na localidade de Vicente López, na parte norte, a mais rica da faixa de municípios que circundam a cidade de Buenos Aires. Entrou escoltada por militantes e se limitou a dizer aos jornalistas que era importante que os bonaerenses fossem votar.
No muro da escola, diversas folhas de papel mostravam os nomes dos eleitores registrados naquela seção eleitoral. Ao lado do nome de Karina, havia um "3%" escrito com caneta, em referência às supostas propinas.
No comitê de A Liberdade Avança, Milei deu um discurso dizendo que para começar a construir e seguir adiante é preciso reconhecer que hoje os resultados não foram positivos para os governistas. "Sem dúvida, a nível político, hoje tivemos uma derrota clara e se alguém quiser reconstruir, o que deve ser feito é aceitar os resultados. Para além do resultado eleitoral, quero sinalizar a todos os argentinos que o rumo para o qual fomos eleitos não vai ser modificado, vai ser reforçado."

O presidente da Argentina Javier Milei em seu discurso, após os resultados preliminares das eleições da província de Buenos Aires - AFP
"As urnas deram uma mensagem ao presidente. Depois do que aconteceu hoje, cuja leitura não devemos exagerar, eles vão ter de mudar o rumo. As urnas disseram a Milei que não se pode frear as obras públicas, não se pode bater nos aposentados, não se pode abandonar as pessoas com deficiência nem tirar recursos da saúde, da educação, da ciência e da cultura", disse o governador, ao comemorar o resultado.
"Banalizar e vandalizar o 'Nunca Mais' que representa o período mais sombrio e trágico da história argentina, não é de graça. Rir da morte e da dor dos seus oponentes também não é de graça. Além disso, você deveria se preocupar com as pessoas com deficiência, roubando 3% dos seus medicamentos", escreveu a ex-presidente Cristina Kirchner em seu perfil no X.
Os mercados financeiros fecharam a semana passada em tensão, aguardando o resultado das eleições e lidando com acusações de corrupção no governo, além de uma queda na popularidade de Milei e conflitos sociais devido ao seu rígido plano econômico. O índice Merval, principal indicador do mercado de ações da Argentina, caiu mais de 14% em agosto.
"Nada mudará economicamente. Nem no fiscal, nem no monetário, nem em termos cambiais", publicou no fim da noite, no X, o ministro da Economia, Luis Caputo.
Foi a primeira vez que a província vota separadamente das legislativas nacionais desde o retorno da democracia e por uma decisão de Kicillof.

O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, vota na cidade de La Plata, nas eleições legislativas locais que ocorreram neste domingo - Tomas Cuesta/REUTERS
As pesquisas mais recentes antes das eleições já apontavam uma vantagem para o partido do governador, que foi ministro de Cristina e seu afilhado político, até entrar em uma disputa interna com o grupo da ex-presidente pelo comando do campo político.
Mesmo sendo uma eleição provincial, o pleito que acaba de acontecer antecipa a principal batalha de Milei este ano -as eleições nacionais de 26 de outubro, onde o partido do governo busca ganhar cadeiras no Congresso.
Milei acumula derrotas este ano no Parlamento nacional, o que coloca em risco a continuidade de sua agenda de cortes orçamentários.
Às vésperas das eleições na província, a oposição no Senado conseguiu anular um veto de Milei contra um projeto de lei que buscava aumentar o orçamento para atender pessoas com deficiência. Os parlamentares também aumentaram as verbas para saúde e educação, o que se choca com a política de cortes do governo.
Folha de S.Paulo
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