Decreto elevou alíquotas para governo arrecadar mais R$ 20 bilhões neste ano; parte da medida foi revogada
Por Manoel Ventura - Brasília
O Ministério da Fazenda avisou à Casa Civil da Presidência da República com pelo menos sete dias de antecedência os detalhes do decreto anunciado na semana passada que elevou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O tema virou um novo foco crise dentro do governo, com diferentes versões sobre como o assunto foi tratado no Palácio do Planalto, e escalou a tensão permanente entre os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil).
O decreto aumentou as alíquotas de IOF em operações de crédito para empresas, em remessas para o exterior, na compra de moeda e em cartões internacionais, entre outras medidas. O objetivo foi arrecadar R$ 20 bilhões em 2025 e dobro disso no ano que vem.
O texto também estabeleceu uma cobrança de 3,5% sobre o envio de recursos de fundos para investimentos internacionais. Esse foi o ponto que mais gerou repercussão negativa no mercado porque a remessa de dinheiro para o exterior é comum em diversas aplicações como forma de diversificar investimento. Nesse ponto, a Fazenda recuou e as operações desse tipo continuam isentas.
Com a crise instalada junto ao mercado, integrantes do Palácio do Planalto reclamaram e alegaram ter recebido o decreto com pouca antecedência e sem a dimensão completa dos seus impactos.
Registros aos quais O GLOBO teve acesso mostram que a Casa Civil da Presidência recebeu os detalhes do texto, incluindo as novas alíquotas, na sexta-feira, dia 16, sete dias antes do anúncio oficial. Depois, os técnicos das duas pastas passaram a discutir detalhes do ato, como a abrangência da medida. Parte do texto chegou a ser alterado em acordo entre as duas pastas.
Fazenda e Casa Civil passaram a adotar um rito contra vazamentos que prevê a tramitação informal de projetos que podem ter impacto no mercado, como é o caso do decreto do IOF. Segundo pessoas envolvidas nas negociações, o documento não estava no sistema do governo federal até horas antes da divulgação. O ato foi publicado no Diário Oficial da União na noite de quinta-feira, após o fechamento da Bolsa.
Por conta do temor de vazamentos, as equipes de comunicação da Fazenda e do governo só se reuniram na véspera da medida ser anunciada.
Integrantes do Palácio do Planalto se queixaram que não tinham a dimensão completa da medida, incluindo seus potenciais impactos sobre o dólar. Um dos principais críticos ao impacto da medida foi o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que rivaliza com Haddad nos bastidores do governo. Procuradas, a Casa Civil e a Fazenda não se manifestaram.
Em entrevista ao GLOBO, publicada no domingo, Haddad disse que o decreto "foi debatido na mesa do presidente". Diante de queixas sobre a falta de participação de outras pastas, o ministro da Fazenda acrescentou que cabe a Lula convocar "os ministros que ele considera pertinentes para o caso".
Essa não é a primeira vez que Haddad e Rui Costa divergem nos bastidores do governo. Os dois ministros protagonizam um histórico de desentendimentos dentro do governo sobre os rumos da política econômica, especialmente a respeito das contas públicas.
Isso ocorreu, por exemplo, na definição do novo arcabouço fiscal, no qual a Casa Civil queria garantir um espaço maior para investimentos e acabou emplacando um piso para essas despesas. Em outras ocasiões, houve atritos na crise do Pix, no início do ano, e na suspensão do Plano Safra.
Ao ser questionado sobre a relação com o ministro da Casa Civil, Haddad reconheceu em entrevista ao GLOBO que, no começo do governo, os dois tinham linhas "um pouco diferentes".
- Mas isso foi se alinhando. Não vejo problema em divergir - afirmou.
Em março, Lula se disse "separador" de discussões entre os ministros:
- De vez em quando eu vejo muita gente (dizendo) porque tem briga entre Haddad e Rui Costa. Quando tiver briga entre os dois eu sou o separador dessa briga porque tem uma mesa redonda que eles participam.
O anúncio e depois recuo parcial na alta do IOF também gerou um embate direto entre o titular da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, e o chefe da política econômica. O órgão se queixou de ter tomado conhecimento da medida com pouca antecedência.
Haddad disse que a comunicação da Presidência nunca participou dos relatórios bimestrais de avaliação de receitas e despesas, como o da última quinta-feira, na qual o IOF foi anunciado.
- Ela é que julga a pertinência de se envolver num tema ou outro. Isso foi debatido na mesa do presidente - disse.
O Globo
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